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Entrevistas - Interviews


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Luz e (i)materialidade: corpo e espaço performativo em Diogo Gonçalves
2024

Mãos criadas no espaço sonhado, mãos criadas do espaço vivido; imóveis e silenciosas, mãos de agitação sonora: são mãos do artista, são as nossas mãos, que emanam e se somem no todo e no nada; é o seu corpo, são os nossos corpos, que se desvanecem e gravitam no espaço resumido e ilimitado; que habitam e  recriam, deslizando na concretização da sua imensidade; seguem, seguimos, a trajectória luminosa que ao nosso passo aleatório define o microcosmo material e sem corpo onde, por sua vez, emerge e se atenua nosso ser, transformador e gerador de realidades.

Dobrar o espaço.

A luz, sua ausência e seus efeitos sobre o entorno real e aparente, natural e artificial, particular e infinito, assim como sobre a fisicalidade e essência do indivíduo, sobre sua materialidade e energia, são moldados e moldam, em seu etéreo caráter plástico de sutil vaguidade, as mesmas mãos de Diogo Gonçalves e seu inteiro universo artístico e conceitual.

Hoje em dia Diogo Gonçalves explora o âmbito das novas tecnologias reflectindo, por exemplo, acerca das variações que o nosso corpo pode experimentar na dimensão digital. Neste sentido, um dos pontos de partida das suas obras é a alteração da imagem do corpo de acordo com o contexto da sua apresentação nas varias redes de interação social. Partindo desta ideia, o artista digitaliza o seu corpo desenha-o antes de voltar a submetê-lo a um novo processo digital e fisico, para ele, para o qual ele finalmente utiliza uma caixa de acrílico luminosa.

A luz torna-se assim o elo de ligação entre a energia do corpo e a do seu suporte. Da mesma forma, os trabalhos mais recentes da série Corpo em Queda introduziram Diogo Gonçalves no campo da realidade virtual, com criações onde os corpos se desintegram e se fundem em um infinito de partículas lumínicas. Seja como for, estas constituem apenas algumas das propostas mais recentes de um conjunto interessante que o autor vem desenvolvendo ao longo dos últimos cinco anos e cujo fundamento teórico ele detalha a seguir

Espacialidade

EN PERSPECTIVA: Suas obras não podem ser concebidas sem o ambiente circundante. As linhas, planos, densidades e vazios que os configuram envolvem o observador no microcosmo que eles próprios geram. Qual a razão desse interesse pelo espaço e que significado ele adquire em suas instalações?

Diogo Gonçalves: O espaço, positivo ou negativo, é o “lugar” das minhas instalações; positivo quando por elas é integrado, negativo, quando se “desmaterializa” e se converte em “energia”.

Iluminação

E-P: Outro componente fundamental das suas criações é a luz, uma luz artificial fluorescente, que contribui para gerar aquela atmosfera envolvente e dinâmica que mergulha o espectador num universo repleto de espaços positivos e 'negativos'. Que valor a luz adquire ao experimentar a construção espacial? Especificamente, no seu Segmento Volátil (2019), concebido como site-specific para o Teatro Romano de Lisboa, a luz do tubo fluorescente cria diferentes efeitos com o passar do dia e da noite, dependendo da quantidade de luz natural presente em determinado Tempo. Em que medida natureza e artificialidade, realidade e irrealidade se opõem / se complementam em suas obras de arte?

DG: Em várias instalações, a luz é um “catalisador” do espaço positivo, concedendo “unidade” à obra; é também, muitas vezes, o “elemento” que converte a “espacialidade” em energia, dissolvendo, ou fazendo desaparecer a oposição natureza/artificialidade, bem como os próprios limites da espacialidade.

(In) corporeidade

E-P: Como foi possível intuir, os espaços que compõem suas obras precisam da presença do sujeito que os ocupa e os percorre para alcançar seu próprio significado. Ao se movimentar no espaço artístico, cada pessoa gera um movimento que se opõe ao estatismo de suas instalações. Da mesma forma, os efeitos do contraste entre luz e sombra brincam com a materialidade do corpo humano, acentuando sua presença ou promovendo seu esmaecimento. Precisamente, algumas de suas propostas, como Contra a Representação (2020), reproduzem sua própria figura impressa no papel, como se fosse uma sombra sustentada por um néon. Qual é a sua intenção quando se trata de gerar esse confronto entre as condições dinâmicas e estáticas, físicas e incorpóreas do ser humano? O conceito tradicional de representação da figura humana na Arte tenta subverter aqui de alguma forma?

DG: A ideia de corpo, e o corpo em si mesmo, juntamente com a “corporeidade” do espaço são os dois pólos da minha obra; a performatividade do corpo e do espaço, duas realidade e duas performatividade indissociáveis, constituem os limites do meu  trabalho; no intervalo entre uma “fisicalidade” mais ou menos materializada, que algumas instalações enunciam, ou insinuam, e a sua dissolução no gesto ou o movimento podemos encontrar as minhas preocupações plásticas e conceptuais acerca do que genericamente chamamos corpo.

Olhar

E-P: Paralelamente ao deslocamento físico do espectador, suas obras imprimem uma certa direcionalidade ao olhar do indivíduo, guiando-o no sentido que determina sua própria estrutura e composição. Qual é o objetivo deste jogo visual?

DG: O jogo, a que não é estranho o acaso que caracteriza o movimento dos corpos, é um dos elementos programáticos da minha obra; onde parece, por vezes, assinalar-se uma direcção do olhar, no sentido, como afirma, de um “desenho” da estrutura e da composição, o acaso ou uma margem alargada a uma certa “aleatoriedade” são concedidos a esse “acontecimento” de um corpo enquanto maioritariamente gesto, movimento, etc.; o olhar é já um movimento que “suspende” o peso do espaço, ou, pelo menos, o faz “flutuar”.

Silêncio

E-P: A contemplação de suas instalações escultóricas é indissociável da percepção do silêncio. Um silêncio que acentua o som ambiente: vozes sussurrantes, passos deslizantes, o roçar nas roupas dos visitantes, ecos distantes que se sucedem nas imediações, etc. Este silêncio intensifica a dimensão estática da obra, ao mesmo tempo que a liga ao espaço onde é exposta ou para o qual foi concebida, no caso de um site specific como, por exemplo, Rearregement of Material (Sint Martinusschool em Weert , Holanda, 2019). De que forma a (in) sonoridade da sua obra contribui para a concepção artística que tenta expressar nos seus trabalhos?

DG: O silêncio é, como bem diz, o que torna possível a “materialidade” imponderável e possível do gesto, no fundo, é o silêncio que torna possível o "sussurro" ou o “eco” da (i)materialidade de um corpo sobre outro corpo, aberto e já não volume, que é o próprio espaço.

Linearidade

E-P: Muitas de suas propostas aparecem dominadas por estruturas lineares, às vezes reduzidas a uma expressão composicional mínima, como em Corpo Suspenso / Teia (2021), composto por apenas quatro segmentos de alumínio. Linhas retas e diagonais também são a base de seus segmentos constituídos por neons (ver Segmento i•nin•ter•rup•o, 2018) e retilínea é também a distribuição dos planos e placas quadrangulares que compõem obras como a Rima cruzada (2013) ou o já mencionado Rearregement of Material. Qual a razão dessa predileção pela linha reta? Excepcionalmente, obras constituídas por planos quadrangulares ou volumes cúbicos como Inerente (2015) ou Sem título (2017) contêm cavidades de perfil curvo e superfícies irregulares de aspecto arredondado, grotesco e cavernoso. Que significado particular essas cavidades têm?

DG: A linha e a concavidade participam da mesma (i)materialidade, fluidez e leveza do espaço que maioritária e tendencialmente se apresenta muito próximo da sua enunciação como desenho.

Materialidade

E-P: As estruturas metálicas de alumínio - às vezes de ferro - e as lâmpadas fluorescentes constituem a base de grande parte de suas obras. Eles também costumam usar resina de poliéster, fibra de vidro ou cera de vidro na construção de suas instalações. Em geral, ele usa uma variedade reduzida de elementos. Quão valiosos são esses materiais usados tão repetidamente em suas composições para você?

DG: Sendo maioritariamente materiais naturais, ou próximos da natureza, conciliam-se, na sua possibilidade de “dissolução”, com a própria apresentação do espaço como um desenho mental, igualmente “diluído” enquanto força, possibilidade ou potência de um corpo.

Cromatismo

E-P: Em relação à questão anterior, a gama de cores que predomina em suas composições é bastante limitada, predominando os tons neutros, devido aos materiais utilizados. Por vezes pinta os segmentos metálicos que compõem algumas das suas obras, desde Painel (2013) ao já referido Corpo Suspenso / Teia (2021). Qual o papel da cor em suas propostas artísticas?

DG: A limitação da cor, como bem afirma, procura ajustar-se a uma noção austera e “despojada”, e consequentemente pouco “pesada” ou “brilhante” do espaço, concorrendo para a unidade e aparente “delimitação” ou circunscrição visual das instalações; esta unidade tende progressivamente a (con)fundir-se com o espaço que “suporta” e ao mesmo tempo “habita” o objecto”.

Técnica

E-P: Você não apenas concebe seus trabalhos no plano teórico, mas também participa ativamente da montagem de suas instalações, fato que requer conhecimentos técnicos na montagem de estruturas metálicas ou na conexão de tubos fluorescentes. Qual é o seu método e processo criativo desde a idealização de suas obras até o cumprimento de suas instalações?

DG: As esculturas desdobram-se em dois planos, a saber, mental e físico. Partem da observação e diálogo permanente entre as mãos, objecto e espaço, espaço esse que muitas vezes habita o próprio objecto.

Natureza

E-P: Como já foi comentado, algumas de suas obras são concebidas com um site-specific, projetado propositalmente para um determinado lugar, às vezes localizado em um ambiente natural. Seria o caso do Sem título (2014), exposto na Pedreira dos Sons de Viana do Alentejo. Mas também vale a pena destacar a sua participação no projeto coletivo Curating Obstacles (2021), realizado num pequeno valado localizado na Serra da Arrábida. Aí, a variação da luz ao longo do dia condiciona a vista em perspectiva que, através de diferentes cavidades circulares criadas com lama, converge numa pequena forma rochosa que se coloca na parte mais profunda do terreno. A experiência, realizada em colaboração com outros colegas artistas, é ao mesmo tempo uma crítica ao sistema estabelecido no mundo da Arte. Você já pensou em expandir seu escopo de ação artística para a land-art? Que possibilidades oferece a Natureza como meio alternativo de exibição e experimentação artística ao mainstream artístico?

DG: Uma concepção de espaço como “energia”, “luz” desenho ou paisagem engloba; à partida, todas as possibilidades da sua utilização desde o que vulgarmente chamamos espaço "arquitectónico", ou construído ou um espaço dito natural. 

Novas tecnologias

E-P: Que possibilidades de experimentação a animação digital oferece em projetos como Light-Movement 01 (2023)? Como se adaptam as suas preocupações artísticas à utilização das novas tecnologias?

DG: As “preocupações” artísticas mantêm-se e manifestam-se no desenrolar do trabalho. A utilização de novas tecnologias contribui para a expansão do trabalho escultórico, não no sentido de adaptação ou ilustração de ideias, e potencia o modo como vivenciamos o objecto artístico.


Publicado: 29 Janeiro, 2024 Publicado por : Manuel Viera


https://www.en-perspectiva.es/2024/01/29/luz-e-inmaterialidad-cuerpo-y-espacio-performativos-en-diogo-goncalves/


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Blague Magazine
2023


Há, na Basílica de São Pedro, uma figura de bronze do apóstolo: os seus pés, de tão gastos que estão, lembram as membranas de uma ave. Todos os dias milhares de pessoas, capazes de ver os dedos que já não existem, passam as mãos sobre eles, num gesto de devoção; é, até, provável que levem micropartículas da escultura consigo para casa. O Diogo, que escolheu ser escultor, fala-me de tudo isto com o encanto de quem se deixa maravilhar pela beleza das pequenas descobertas e enredar nos pensamentos que elas desencadeiam em si. Conta-me que, há alguns anos atrás, durante uma viagem pela Europa, preencheu muitas páginas de cadernos com estas e outras reflexões sobre as estátuas que ia observando; depois, pegou nos textos e, aos poucos, foi desbastando as palavras que lhe pareciam supérfluas, até ficar apenas com algumas, que representavam a essência da sua experiência, e deste processo nasceu uma das suas obras.

Encontro-me com ele num jardim de Lisboa, perto da hora do almoço; da sua figura, sobressaem o cabelo desorganizado e os olhos grandes, um certo ar romântico; nunca nos vimos antes e, que saibamos, não temos amigos em comum, por isso peço-lhe que me conte brevemente o seu percurso: nasceu e estudou em Fátima até ao 9° ano e, durante esses anos, foi - ou acreditou ser - um péssimo aluno em todas as disciplinas, exceto nas de artes, área que escolheu frequentar no Ensino Secundário, em Ourém; na família, não havia ninguém ligado ao mundo das artes, mas lembra-se de, já pequeno, apreciar trabalhos que implicassem modelar algum material; fez o curso superior de Artes Visuais e Multimédia - variante de Escultura em Évora e, dessa época, recorda o dia do exame de Pintura em que adormeceu por ter ficado a trabalhar até muito tarde: os colegas foram chamá-lo a casa e, quando se apresentou na universidade, o professor sugeriu que ponderasse a sua vontade de estudar pintura, o que acabou por funcionar como um gatilho para que, no ano seguinte, decidisse investir na escultura, situação a que chama um acaso feliz. Terminada esta formação, mudou-se para a capital, onde se tornou mestre na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Hoje, dedica grande parte do seu tempo ao trabalho solitário de ler e desenvolver estudos para a concretização das suas obras, é representado pela Artemis Gallery Lisbon e, a par disso, encarrega-se da montagem de exposições e assistência a outros artistas, trabalhos que implicam uma gigante responsabilidade, mas de que gosta, porque lhe permitem o contacto com outras obras.

Descreve o seu percurso e dia a dia com uma inquebrável serenidade e eu tento saber se viver da e para a arte não implicou grandes sacrifícios; faz uma pequena pausa - os olhos pensantes distanciam-se do rosto enquanto procuram as palavras certas, regressando depois a ele para falar - e responde com a mesma tranquilidade que sim, que já houve momentos em que teve de abdicar de algum conforto para pagar as despesas fixas, que continua a precisar de fazer escolhas como a de gastar o seu dinheiro em coisas supérfluas ou comprar materiais para os seus trabalhos. Comento que deve ser necessária uma enorme disciplina para viver assim e ele confirma esta ideia explicando que, durante alguns anos, acordou sempre antes das 8h00 e trabalhou nas suas obras mais de doze horas por dia.
No cimo de uma alameda, decidimos sentar-nos num banco; pergunto-lhe se considera a sua arte acessível a todos e se todos terão a capacidade de fazer dela uma leitura adequada. Mais uma vez o olhar paira, sorri placidamente e só depois me dá uma resposta: sim, todas as pessoas podem ver o seu trabalho, porque está exposto em galerias abertas ao público e, embora nem todas apresentem sobre ele uma explicação coincidente com a que imaginou, não pode dizer que haja leituras erradas, mas apenas diferentes níveis de profundidade nessa análise; acredita que todas as interpretações são melhores do que nenhuma, porque mostram a vontade de alguém sair de casa para ir ao encontro da arte.

Neste momento, o Diogo está focado em estudar o mundo virtual para um novo projeto artístico e, entre outras coisas, “scannerizou” o próprio corpo; diz-me que poderia pedir a especialistas que o fizessem por si, mas que sempre achou importante aprender a executar com as próprias mãos as suas obras.

Durante horas a fio o Diogo olhou, fascinado, a escultura de São Pedro, dedicando-lhe um infindável texto. Enquanto escrevo sobre o nosso encontro, imagino a possibilidade de se inverterem as posições e ser o santo a observar o Diogo, e acredito que, como eu, ele também lhe achasse graça, ao reparar na capacidade comum de resistirem ao desgaste das circunstâncias, apontando o olhar no infinito com a mais bonita calma estampada no rosto.

Publicado 18 de Setembro de 2023
Maria Moreno — Blague Magazine 

https://www.instagram.com/p/CxWBE-JsT0q/ 


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Jornal S/Título
Nº4

Sentido

A linha que percorre o espaço e encontra o fim

“Os meus dias inteiros, passo-os a olhar, na sua face, o declínio das cores que conduz o dia à noite. Deitado, ponho as mãos debaixo da cabeça e espero” — CAMUS, Albert. 1942. O Estrangeiro.

É num café em Bilbau, com a expectativa de sol e a realidade de chuva, que surgem novas bases e avanços na sua prática artística. Numa semana que parecia interminável, afastado da sua realidade, sentado numa mesa de cafe, onde escreve e desenha sem parar, responde à questão: “O que é a minha escultura e o que poderá vir a ser”. No regresso a Portugal traz consigo 10 cadernos e um sentido imperativo de mudança.

Diogo Gonçalves, licenciado em Artes Visuais e Multimédia — Variante Escultura pela Universidade de Évora (2010/2014) e mestre em Estudos de Escultura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2014/2018), interessa-se pelo espaço. Espaço entende-se por: “um lugar mais ou menos bem delimitado, cuja área (maior ou menor) pode conter alguma coisa; uma extensão indefinida”. Na sua dissertação de mestrado, o escultor debruça-se sobre o que conduziu a escultura do espaço fechado ao espaço negativo. E é segundo uma lógica de espaço negativo que desenvolve o seu corpo de trabalho, instigado por Michael Heizer, com o retirar da matéria e Rachel Whiteread pelo preenchimento da mesma. É no processo de subtração que a linha encontra o espaço que tenciona percorrer, — “Não tenho problemas em apresentar uma pequena linha no espaço. Essa linha é resultante de uma possibilidade de todas as outras linhas. É começar com muito mas começar a subtrair até ao essencial; até ao fundo o que é, para mim, a escultura.”




Trabalha o espaço negativo e as formas como este pode ser revelado, procurando desviar-se de Heizer com o vazamento total e Whiteread com o enchimento. O seu trabalho surge como uma “tentativa humilde”, palavras do artista, de uma nova abordagem do que poderá ser a escultura, — em que a matéria escultórica não tenha que ser maciça ou sendo uma matéria maciça possa ter um vazamento — “Não me interessa entrar na falsidade da matéria escultórica, a matéria tem um próprio registo e amam não me interessa alterar a sua condicionante”, diz o artista. É através da luz que Diogo Gonçalves explora o espaço negativo e outra abordagem sobre a matéria. Através de lâmpadas fluorescentes tubulares, das mais diversas dimensões, mas sempre, com a inigualável luz branca que o artista se questiona sobre o espaço que ocupa ou poderá ocupar.

Um dos grandes saltos na história da escultura é o transitar do topo do plinto para o espaço real, isto é, para o espaço que o espectador habita. Não tem memória de ter feito algum dia uma escultura em cima de um plinto, existe sempre uma necessidade intrínseca de a expandir no espaço. Como uma manipulação mútua da obra sobre o espaço e o espaço sobre a obra. As esculturas de Diogo Gonçalves, expandem-se pelo espaço em que se inserem, tendo-o como condicionante, mas existindo para além dele. Como existem para além do espaço, as suas esculturas existem também para além do espectador. A presença do espectador não é uma ativação, antes um complemento. Como é o caso de 000 (2018), onde constrói um caminho. Um caminho que respeita, como todas as suas obras, uma medida mínima. Mas não havendo, para além do espaço que ocupa, uma condicionante para a máxima, a escultura tende a ocupar toda a área expositiva para que o espectador tenha obrigatoriamente que passar sobre ela para chegar ao outro lado, para que o espectador entre na própria escultura.

Estamos em 2018 quando Diogo Gonçalves começa a esculpir, para além da matéria, palavras. As palavras são para o artista um modo de escultura, onde aplica o método de redução para chegar à escultura final. Dos vários cadernos de apontamento, resultante das suas viagem e de processos meticulosos de observação do que o rodeia, surge como resultado final apenas dois manuscritos até à data, — primeiro o Falhar o Espaço e mais tarde o Dobrar o Espaço. As frases soltas que reúne são pesadas, carregadas de um significado extenso sobre a escultura e a sua própria obra, ou talvez não sejam pesadas, antes leves — a forma leve de descrever tudo aquilo que o seu trabalho implica.
Não lhe interessa encontrar a escultura nas suas palavras, mas antes encontrar o seu entendimento pessoal sobre a mesma.

Tal como nos seus manuscritos, cujo resultado advém de um processo de esculpir as palavras, o artista explora outras formas de escultura através do vídeo, como é o caso de Torção do Espaço (2019-2020), uma vídeo-instalação onde Diogo Gonçalves explora o gesto: no agarrar, no pousar e através de um posicionamento perpendicular da mão sobre a matéria. Assim como nas suas “esculturas físicas”, a mão do artista mantém o contacto contínuo com a matéria num momento de sinergia onde é o gesto performativo que sobressai — “Esses gestos, são gestos que usava no fabrico direto de escultura: empurrar matéria; recolher matéria; elevar matéria. Esses gestos são interações com a matéria, e a matéria é energia”. É através do vídeo que Diogo Gonçalves re-explora a possibilidade de matéria, e de expansão do espaço; tal como nas suas esculturas, o artista tem uma medida mínima de exibição o vídeo. Uma vez mais, nunca contraindo a obra expande-se pelo espaço: “No vídeo, continuo a trabalhar a escultura como escultura apenas assumindo-o como medium. É a parte que me interessa, é que a escultura continue a ser uma escultura, em causa, uma presença matérica, mais uma dialogação com o espaço”.




Encontra sempre uma necessidade de luz. Por muito intuitivas que seja as esculturas de Diogo Gonçalves, como o caso particular de Rearrangement of Material (2019), uma escultura site-specific que realiza na escola de Sint Martinusschool em Weert, onde de uma sala de arrumos como uma acumulação considerável de materiais, a escultura nasce no processo de limpeza do próprio espaço. É através da forma, da luz, da cor da matéria a através de um gesto inconsciente de selecção desses mesmos materiais que o próprio percurso demonstra ao artista a necessidade de luz. Aqui está também, mais uma vez, presente o gesto, — o arrojar, o desviar, o procurar; processos que aplica no seu “atelier-quarto” na hora de produção. Uma vez mais, sem limites, a escultura expande-se pelo espaço que lhe é concedido, num processo intuitivo de construção e apropriação do espaço negativo.

Existe uma ligação muito ténue entre a escultura e o espaço onde a mesma é construída. Nos diversos “ateliers-quartos” por onde o artista já passou, e sempre produziu, poderiam ser considerados limitadores devido às suas dimensões. No entanto, o artista procura sempre uma maneira de se reinventar, seja através das palavras, do vídeo ou do 3D, “Se quiseres fazer escultura, o medium é completamente indiferente e a versão do espaço também é indiferente; se tiveres que trabalhar num espaço de 1m por 1m tu mais conseguir fazer a escultura à mesma, seja em que suporte for”, é esta a lógica que o artista aplica em tudo o que faz. Hoje em dia o quarto mudou, assim como a sua prática artística, tendo recentemente trabalhado mais em vídeo e em 3D. Não sabe se o vídeo nesta fase veio através da anulação desse espaço de trabalho, do quarto que já não pode ser atelier, ou se já demasiado pequeno para o ser; ou se é uma nova forma de escultura ou até mesmo um misto dos dois.

Do vídeo para o 3D o que difere é o contacto com a matéria, pois existe um vazamento da mesma, “no fundo não estou a tocar com as mãos, mas há sempre uma ligação às mãos como quem está a fazer manualmente”. Por outro lado, trabalhar de forma digital mantém o mesmo princípio de um espaço negativo em que o artista propõe uma nova abordagem escultórica, em que a escultura pode ser realizada sem a fisicalidade da matéria. Quando questionado sobre o espaço físico e sobre o espaço digital, o artista mostra apenas o seu desejo intrínseco de produzir: “Para mim o que interessa é estar a fazer escultura, seja no espaço fisico, seja no espaço digital: são o mesmo, que é aquilo que vem da minha cabeça e é canalizado pela mão”. De forma digital explora, sobretudo, as impossibilidade que o mundo físico lhe impõe, quer a nível espacial como material. Nas suas animações 3D a lâmpada não parte, pelo contrário, molda-se ao espaço que ocupa e à mão que lhe toca, como no caso de Setting fire to Silence (2022), onde o artista explora a possibilidade de a lâmpada ser o “elástico” que a mão puxa.

É recorrente, no corpo de trabalho de Diogo Gonçalves, uma dupla energia do corpo com a própria matéria, em que o que lhe interessa é a ligação com as suas próprias mãos e a canalização da sua energia em direção à mesma. Há espaço para o erro e para a descoberta e re-descoberta daquilo que é o seu sentido principal, criar.  — “Há uma pessoa que faz, há um material e há uma ligação entre os dois e vamos ver, o que é que dentro das limitações e dentro das impossibilidade e dentro das coisas que aparentemente nem nos interessam, pode surgir”.

Como nos seus processos de observação, sobre o ambiente e as pessoas que o rodeiam, onde o interesse reside apenas nas questões que não são colocadas, a linha percorre o espaço até que, inevitavelmente, lhe é imposta um fim, — sem questões, apenas com uma necessidade de expansão, explorando a horizontalidade e verticalidade daquele que é o espaço negativo.

Publicado 21 de Julho de 2022
Márcia R.Teixiera — Jornal S/Título

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